O Porto é só uma certa maneira de me refugiar na tarde, forrar-me de silêncio e procurar trazer à tona algumas palavras, sem outro fito que não seja o de opor ao corpo espesso destes muros a insurreição do olhar. O Porto é só esta atenção empenhada em escutar os passos dos velhos, que a certas atravessam a rua para passarem os dias no café em frente, os olhos vazios, as lárimas todas das crianças de S. Vítor correndo nos sulcos da sua melancolia. O Porto é só a pequena praça onde há tantos anos aprendo metodicamente a ser árvore, aproximando-me assim cada vez mais da restolhada matinal dos pardais, esses velhacos que, por muito que se afastem, regressam sempre à minha vida. Desentendido da cidade, olho na palma da mão os resíduos da juventude, e dessa paixão sem regra deixarei que uma pétala pouse aqui, por ser de cal.
In: A Cidade de Garrett (1993)
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