O assédio do verão, as rolas
dos pinheiros, a risca de sal
das areias; às vezes
chovia – então um barco
de borco era o abrigo,
era o amigo; a chuva abria
o aroma dos fenos, não tardava
o sol em cada sílaba.
In: Rente ao Dizer (1992)
O assédio do verão, as rolas
dos pinheiros, a risca de sal
das areias; às vezes
chovia – então um barco
de borco era o abrigo,
era o amigo; a chuva abria
o aroma dos fenos, não tardava
o sol em cada sílaba.
In: Rente ao Dizer (1992)
Agora regresso à tua claridade.
Reconheço o teu corpo, arquitectura
de terra ardente e lua inviolada,
flutuando sem limite na espessura
da noite cheirando a madrugada.
Acordaste na aurora, a boca rumorosa
dum desejo confuso de açucenas;
rosa aberta na brisa ou nas areias,
alta e branca, branca apenas,
e mar ao fundo, o mar das minhas veias.
Estás de pé na orla dos meus versos
ainda quente dos beijos que te dei;
tão jovem, e mais que jovem, sem mágoa
– como no tempo em que tinha medo
que tropeçasses numa gota de água.
In: As palavras interditas (1951)
De tão luminosa, essa ferida
já nem dói – ó tão mudáveis
coisas vindas
na palavra, sucessiva
ondulação do mundo
latindo contra o coração,
vagas de sombra ou só de pedra,
canção despedaçada
contra os vidros, fulva
vagabundagem de abelhas,
manhã de Junho
tão cedo prometida às areias.
In: Ofício de Paciência (1994)
Amarelo, laranja, limão,
depois o carmim: tudo arde
nas areias
entre as palmeiras e o mar – era verão.
Mas no lugar do teu nome
a terra tem a cor do verde
pensativo, que só a noite
pastoreia leve.
No inverno o vento está como deus
em toda a parte: na cabeleira
verde dos cometas, no extenso
e turbulento sono dos rapazes,
nos cegos fundamentos da alegria.
Peço-lhe que tenha piedade,
que seja amável com os que não dormem
debaixo de telha, que sorria a quem
regressa a casa a desoras – a boca
amarga do fremento da tristeza.
À semelhança de deus, o vento
dança indiferente nas areias.