É o deserto – tenho quinze anos
e muito tempo para morrer.
Sentado na inclinação do sol
conto os meus dias
ou as pequenas hastes
do vento onde nenhuma ave
aproximava o céu.
Não há erro possível: oásis
ou mar das ilhas
só a palavra.
É o deserto – tenho quinze anos
e muito tempo para morrer.
Sentado na inclinação do sol
conto os meus dias
ou as pequenas hastes
do vento onde nenhuma ave
aproximava o céu.
Não há erro possível: oásis
ou mar das ilhas
só a palavra.
Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura,
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso,
descer aos flancos, enterrar
os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta
aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão,
porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve,
abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho –
a glande leve.
Tenho o nome de uma flor
quando me chamas.
Quando me tocas,
nem eu sei
se sou água, rapariga,
ou algum pomar que atravessei.
Noite aberta.
A lua tropeça nos juncos.
Que procura a lua?
A raiz do sangue?
Um rio que durma?
A voz delirando
no olival, exangue?
Sonâmbula,
que procura a lua?
O rosto da cal
que no rio flutua?
Entre as folhas negras da figueira
e os erros do ofício
passa o rio.
Que rio é esse?
Passa irmanado à luz pueril
dos cereais, à magoada
voz de quem perdeu o sono.
Leva com ele, entre o roxo
da sombra e as sílabas contadas,
um verão de abelhas,
a profusão do mel.
Sigo-lhe os passos, perco-me
com ele.
À minha porta senta-se outra vez
o Inverno. Traz consigo
o mar. Está velho
e magro o mar, negro de crude.
Também traz árvores; cegas
e sem nenhum pássaro:
mesmo sem vento cambaleiam.
Tenho dó das suas folhas
de barco na rua,
a respiração difícil.
Quem virá, injuriando o tempo,
sacudindo as grossas
gotas de frio?
Só um sorriso aceso
lhe aqueceria as mãos; do coração
não falo: não há lume
que o torne enxuto e novo.
Não voltará – o que dele me ficou
é como no Inverno entre cortinas
de chuva um tímido fio de sol:
ilumina mas não aquece as mãos.
A noite já devia ter caído, a pele do rio escurecera. Vozes felizes afastavam-se luminosas, desciam as escadas de mansinho, enquanto as lágrimas não tardariam a rebentar no escuro.
Eles não sabiam que o lobo conseguira fugir e o caçador adormecera de cansaço debaixo da grande árvore vermelha. Sem o menor ruído a porta começara a abrir-se primeiro foram só uns olhos de lume, depois o animal todo entrou no quarto.
Se tivesse de morrer seria agora, o peso da sombra sobre o coração, empurrando-me para as águas, cada vez mais próximas e desertas.
Viera do rio pela mão de uma criança.
A cidade é agora de porcelana branca.
As razões do mundo
não são exactamente as tuas razões.
Viver de mãos acesas não é fácil,
viver é iluminar
de luz rasante a espessura do corpo,
a cegueira do muro.
Esse gosto a sangue
que trazia a primavera, se primavera havia,
não conduz à coroa do lume.
Os negros lençóis da água,
o excremento dos corvos marinhos
fazem parte da tua agonia.
E um sabor a sémen
que sempre a maresia traz consigo.