Arquivo de Janeiro, 2019

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Aniversário de Eugénio

Eugénio de Andrade, um dos maiores do séc. XX da poesia em língua portuguesa, faria hoje, se fosse vivo, 96 anos.

Para ler no dia de hoje: uma crónica de José Tolentino Mendonça, chamada “Menos de dois dólares”, publicada na revista Expresso a 04-01-2014 e que no último parágrafo cita o amigo Eugénio:

«A “pegada ecológica” diz muito acerca de nós: quantos recursos (e que recursos) hipotecamos para construir o que é o nosso estilo de vida, quais as necessidades que consideramos vitais e como as priorizamos, que tráfico de bens e serviços temos de colocar em funcionamento para realizar o nosso sonho (ou a nossa ilusão) de bem-estar. Os indicadores coincidem no seguinte: as sociedades avançadas geram uma inflação permanente de necessidades, indiferentes aos desequilíbrios que causam, e que são, em grande medida, não só de sustentabilidade ambiental mas de sustentabilidade espiritual. A verdade é que cada um de nós traz vazios por preencher, carências e interrogações submersas, desejos calcados que procura compensar de forma mais imediata. Não é propriamente de coisas que precisamos mas, à falta de melhor, condescendemos. À falta desse amor que nem sempre conseguimos, desse caminho mais aberto e solitário que evitamos percorrer, à falta dessa reconciliação connosco mesmo e com os outros que continuamente adiamos… O consumo desenfreado não é outra coisa que uma bolsa de compensações. As coisas que se adquirem são, obviamente, mais do que coisas: são promessas que nos acenam, são protestos impotentes por uma existência que não nos satisfaz, são ficções do nosso teatro interno. Os centros comerciais apresentam-se como pequenos paraísos, indolores e instantâneos. Infelizmente, de curtíssima duração também. Li há dias, e impressionou-me muito, que, quando Gandhi morreu, os bens materiais que deixou valiam menos de dois dólares. Voltei a ler para verificar se me tinha enganado: menos de dois dólares. Os bens espirituais e civis que legou ao futuro tinham, porém, uma dimensão incalculável. O que nos enfraquece não é, de facto, a escassez, mas a sobreabundância; não é a indagação, mas o ruído de mil respostas fáceis que conflituam; não é a frugalidade, mas sim o desperdício. O que nos enfraquece é não termos escutado até ao fim o que está por detrás da fome e da sede, da nossa urgência e da nossa fadiga, do atordoamento, dos medos ou da abstenção. Há aquela cena do filme de Steven Spielberg “A Lista de Schindler”. O ator Liam Neeson representa o papel do industrial alemão que salvou a vida a mais de mil judeus. Na cena final, os resgatados oferecem-lhe expressando a sua gratidão, uma aliança com uma frase do Talmude: “Aquele que salva uma vida, salva o mundo inteiro”. E a resposta de Oskar Schindler é inesquecível: “Podia ter feito mais. Não sei, eu… Podia ter salvo mais. Desperdicei tanto dinheiro com futilidades. Não fazes ideia. Se soubesses… Não fiz o suficiente. Este carro… Porque fiquei eu com ele? Alguém o teria comprado. Terial salvo dez pessoas, mais dez pessoas. Este alfinete! Duas pessoas! É de ouro. Podia ter salvo mais duas pessoas. Por isto… eu poderia ter salvo mais pessoas… e não o fiz”. Estamos condenados a uma dor assim? Mas há finais felizes. Lembro-me dos meses que antecederam a partida do poeta Eugénio de Andrade. Ele ficou internado longo tempo no hospital de Santo António, no Porto. Nessa altura, passei por lá algumas vezes a visitá-lo e só me recordo de ouvi-lo pedir uma coisa: que lhe trouxessem duas maçãs. Não para comer, obviamente, mas para ficar a olhá-las da cama, para sentir a cor, a textura, o perfume, para distinguir a sua forma no silêncio, para amá-las como se ama uma pintura de Cézanne. Acho que duas maçãs custam menos de dois dólares, não é verdade?»




"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." Eugénio de Andrade
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“Sobre Eugénio sobra-me em emoção e lágrimas o que escasseia em palavras. Não há claridade que te descreva, meu querido Eugénio. És o meu poeta de ontem e de sempre. Mantinha um desejo secreto de te conhecer um dia, passar uma tarde contigo de manta nas pernas a afagar os gatos que tanto amavas. Em silêncio, sim, pois sempre foi em silêncio que me disseste tudo ao longo destes anos todos em que devorei as tuas palavras. Tu não poupaste o coração e por isso viverás sempre. Não há morte que resista a isso.” Raquel Agra (13/06/2005)

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