Posts Tagged ‘olhos

11
Jan
15

No aeroporto de Nova Iorque

Olha-me rapidamente num convite

que não aceito, a promessa de prazer

cai então em olhos menos fatigados,

mas por instantes pude surpreender

um campo matinal de trevos orvalhados.

In: Escrita da Terra (1974)

10
Set
14

Rosto afogado

Para sempre um luar de naufrágio

anunciará a aurora fria

Para sempre o teu rosto afogado,

entre retratos e vendedores ambulantes,

entre cigarros e gente sem destino,

flutuará rodeado de escamas cintilantes.

 

Se me pudesse matar,

seria pela curva doce dos teus olhos,

pela tua fronte de bosque adormecido,

pela tua voz onde sempre amanhecia,

pelos teus cabelos onde o rumor da sombra

era um rumor de festa,

pela tua boca onde os peixes se esqueciam

de continuar a viagem nupcial.

Mas a minha morte é este vaguear contigo,

na parte mais débil do meu corpo,

com uma espinha de silêncio

atravessada na garganta.

 

Não sei se te procuro ou se me esqueço

de ti quando acaso me debruço

nuns olhos subitamente acesos

ao dobrar de uma esquina,

na boca dos anjos embriagados

de tanta solidão bebida pelos bares,

nas mãos levemente adolescentes

pousadas na indolência dos joelhos.

Quem me dirá que não é verdade

o teu rosto afogado, o teu rosto perdido,

de sombra em sombra, nas ruas da cidade?

 

Ninguém te conheceu,

ninguém viu romper a luz na tua cama,

ninguém sabe, nnguém,

que o teu corpo, continente selvagem,

se desvelava por uma pedra branca

atirada contra o nevoeiro.

 

Por isso escrevo esta elegia

como quem oferece a luz dos olhos;

por isso canto o teu rosto afogado

como quem canta um funeral de espigas.

 

In: As Palavras Interditas (1951)

11
Out
11

Outros ritmos, outros modos

Não é o mar, não é o vento, é o sol

que me dói da cintura aos sapatos.

Sol de fins de Julho,

ou de Agosto a prumo: finas

agulhas de aço.

É o sol destes dias, aceso

na folhagem.

Bebendo a minha água.

Colado à minha pele.

É doutro território, doutro areal.

Tem outros ritmos, outros modos,

outros vagares para roer

a cal, morder-me os olhos.

Até quando cega canta ao arder.

 

In: Os Sulcos da Sede (2001)

20
Out
10

O olhar

Eu sentia os seus olhos beber os meus;

longamente bebiam, bebiam;

bebiam

até não me restar nas órbitas nenhuma

luz, nenhuma água,

nem sequer o sinal de neles ter chovido

naquele inverno.

In: Rente ao Dizer (1992)

19
Fev
10

Pela luz oblíqua devia ser Inverno

Pela luz oblíqua devia ser inverno,
um punhado de olhos procurava
nos meus
iluminados epitáfios.

Não gosto de ser olhado assim,
não tenho piedade
nem rosas, conheço os guinchos pelo voo,
venho dos lados do mar.

São vagarosas as derradeiras
luzes, também eu não tenho pressa:
não entendo essas vozes,
se me chamam não é por mim que chamam,

que não sou daqui.
15
Fev
10

Cidade

O filho pela mão, vamos por estas ruas
esconjurando sombras, convocando
dunas, potros, o sol ainda fresco,
os cachorros latindo de alegria.
Meus olhos vão à frente farejando,
enquanto a mão dele ilumina a minha.
24
Dez
09

Ao fim da tarde

Ninguém esperava ver o mar naquele dia
mas era o mar
que estava ali à porta naqueles olhos.

Um feliz Natal para todos!
23
Ago
09

Acorde

Onde passou o vento
são altas as ervas,
e os olhos água
só de olhar para elas.
20
Fev
09

Confiança

O que do fundo de alguns olhos vem tão azul à superfície destina-se a transformar o que em nós é apetência de morte no mais limpo e matinal voo de cotovia (6.1.86)




"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." Eugénio de Andrade
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“Sobre Eugénio sobra-me em emoção e lágrimas o que escasseia em palavras. Não há claridade que te descreva, meu querido Eugénio. És o meu poeta de ontem e de sempre. Mantinha um desejo secreto de te conhecer um dia, passar uma tarde contigo de manta nas pernas a afagar os gatos que tanto amavas. Em silêncio, sim, pois sempre foi em silêncio que me disseste tudo ao longo destes anos todos em que devorei as tuas palavras. Tu não poupaste o coração e por isso viverás sempre. Não há morte que resista a isso.” Raquel Agra (13/06/2005)

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