Que voz lunar insinua
o que não pode ter voz?
Que rosto entorna na noite
todo o azul da manhã?
Que beijo de oiro procura
uns lábios de brisa e água?
Que branca mão devagar
quebra os ramos do silêncio?
In: Mar de Setembro (1961)
Que voz lunar insinua
o que não pode ter voz?
Que rosto entorna na noite
todo o azul da manhã?
Que beijo de oiro procura
uns lábios de brisa e água?
Que branca mão devagar
quebra os ramos do silêncio?
In: Mar de Setembro (1961)
Respira devagar, respira
uma vez mais
o sopro reticente do silêncio;
não oiças a mutilada voz do chão:
não é o primeiro orvalho
que chama por ti;
não abras as portas todas à lenta
e velha e turva baba
da tristeza;
respira esse rumor: nem mar nem ave,
apenas um ardor que também morre,
devagar.
In: Contra a Obscuridade (1988)
Com o tempo aproximar-se-ão os rios
e os montes, com o tempo
acabará por te vir comer à mão
e fazer ninho na tua cama
o silêncio
In: O Peso da Sombra (1982)
1
No espaço de um relâmpago
os olhos reflectem os navios.
2
O silêncio brilha acariciado.
3
O silêncio é de todos os rumores
o mais próximo da nascente.
4
Só água era, e sem memória.
5
Claridade sem repouso, ó claridade,
aguda nos juncos, nas pedras rasa.
6
É no ardor dos cardos
que o vento faz a casa.
7
Da pedra à cal, do sal à espuma,
amo a pobreza e a brancura.
In: Ostinato Rigore (1964)
Vem de tão longe que tenho piedade
dos seus cães: abro a porta, aceito
a festa dos animais.
Aproximou as mãos do fogo
e encontrou a flauta, levou-a
à boca: então o silêncio brilhou
acariciado.
In: Rente ao Dizer (1992)
Depois de uns dias de pausa, da vida como ela é, num recanto escondido do sul do país, com sal, sol e mar, regresso ao quotidiano. De Eugénio, também o “Sul”.
Pelo azul da pedra vê-se que é verão,
à beira do tanque os aloendros devem estar
em flor,
as águas reflectem o silêncio.
In: Escrita da Terra (1974)
Escuto o silêncio: em Abril
os dias são
frágeis, impacientes e amargos;
os passos
miúdos dos teus dezasseis anos
perdem-se nas ruas, regressam
com restos de sol e chuva
nos sapatos,
invadem o meu domínio de areias
apagadas,
e tudo começa a ser ave
ou lábios, e quer voar.
Um rumor cresce lentamente,
oh, lentamente
não cessa de crescer,
um rumor de pálpebras
ou pétalas
sobe de terraço em terraço,
descobre um dia
de cinzas com vestígios de beijos.
Um só rumor de sangue
jovem:
dezasseis luas altas,
selvagens, inocentes e alegres,
ferozmente enternecidas;
dezasseis potros
brancos na colina sobre as águas.
Como um rio cresce, cresce um rumor;
quero eu dizer,
assim um corpo cresce, assim
as ameixieiras bravas
do jardim,
assim as mãos,
tão cheias de alegria,
tão cheias de abandono.
Um rumor de sementes,
de cabelos
ou ervas acabadas de cortar,
um irreal amanhecer de galos
cresce contigo,
na minha noite de quatro muros,
no limiar da minha boca,
onde te demoras a dizer-me adeus.
Escreve um rumor: é só silêncio.
In: Ostinato Rigore (1964)
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos,
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
In: O Peso da Sombra (1982)
O Sal da Língua, ainda comovido pela beleza das ilhas verdes, regressa com a simplicidade da juventude de Eugénio. O poema escolhido é Paisagem, do livro “Primeiros poemas”.
Entre pinheiros três casas.
Uma azenha parada.
Uma torre erguida
de fraga em fraga
contra o céu de cal.
E um silêncio talhado
para o voo dum moscardo
alastra de casa em casa,
sobe à torre abandonada
e sobre a azenha parada
tomba desamparado.
No interior da música
o silêncio
que regaço procura?
Que interior é esse
onde a luz
tem morada?
E há um interior,
assim como o caroço
dentro do fruto?
E como entrar nele?
É como num corpo?