Posts Tagged ‘frutos

07
Jun
10

À boca do poço

Às vezes, até a morte pode ser

condescendente: à boca do poço

pára o cavalo, não chega a desmontar,

mas consente que te demores

a contemplar as águas negras,

o rebanho dos chocalhos distantes,

as macieiras perto,

os seus frutos estranhamente acesos.

09
Jan
10

Ardendo na sombra

Tu estavas ali,
perto da laranjeira.

(Porque havia
uma laranjeira ao lado
da casa.)

Estavas ali, as mãos
iluminadas.
A luz vinha dos frutos
ardendo na sombra.

A laranjeira
ainda lá se encontra.
E tu? Ainda aí estás?

Ao longe erguia-se a poeira
quando o rebanho
ao fim da tarde
passava – era verão.

Só no verão
a poeira se levanta assim
sem haver vento.

No tanque, um fio débil
de água
servia para nos sentarmos
à beira do seu rumor.

Eu era pequeno
e tu uma mulher triste.
Essa tristeza é ainda
minha.

Mas só ela.
E a laranjeira.
30
Set
09

O cheiro do Verão

Quem me traz morangos não sabe
que também me traz
um punhado
desses tão delicados e carnais
frutos silvestres
que os garotos de Roma vendem
pelas ruas, sorrindo, ao fim da tarde.
Só eles me trazem juntos a sombra
dos bosques de verão
e o canto do rouxinol
na frescura da sua pele.
17
Fev
09

Passamos pelas coisas sem as ver

Passamos pelas coisas sem as ver,

gastos como animais envelhecidos;

se alguém chama por nós não respondemos,

se alguém nos pede amor não estremecemos:

como frutos de sombra sem sabor

vamos caindo ao chão apodrecidos.

26
Nov
08

Natureza morta com frutos

1.

O sangue matinal das framboesas

escolhe a brancura do linho para amar.

 

2.

A manhã cheia de brilhos e doçura

debruça o rosto puro na maçã.

 

3.

Na laranja o sol e a lua

dormem de mãos dadas.

 

4.

Cada bago de uva sabe de cor

o nome dos dias todos do verão.

 

5.

Nas romãs eu amo

o repouso no coração do lume.

25
Ago
08

Só as tuas mãos trazem os frutos

Só as tuas mãos trazem os frutos.

Só elas despem a mágoa

destes olhos, e dos choupos,

carregados de sombra e rasos de água.

 

Só elas são

estrelas penduradas nos meus dedos.

– Ó mãos da minha alma,

flores abertas aos meus segredos.




"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." Eugénio de Andrade
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“Sobre Eugénio sobra-me em emoção e lágrimas o que escasseia em palavras. Não há claridade que te descreva, meu querido Eugénio. És o meu poeta de ontem e de sempre. Mantinha um desejo secreto de te conhecer um dia, passar uma tarde contigo de manta nas pernas a afagar os gatos que tanto amavas. Em silêncio, sim, pois sempre foi em silêncio que me disseste tudo ao longo destes anos todos em que devorei as tuas palavras. Tu não poupaste o coração e por isso viverás sempre. Não há morte que resista a isso.” Raquel Agra (13/06/2005)

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