Que voz lunar insinua
o que não pode ter voz?
Que rosto entorna na noite
todo o azul da manhã?
Que beijo de oiro procura
uns lábios de brisa e água?
Que branca mão devagar
quebra os ramos do silêncio?
In: Mar de Setembro (1961)
Que voz lunar insinua
o que não pode ter voz?
Que rosto entorna na noite
todo o azul da manhã?
Que beijo de oiro procura
uns lábios de brisa e água?
Que branca mão devagar
quebra os ramos do silêncio?
In: Mar de Setembro (1961)
Para sempre um luar de naufrágio
anunciará a aurora fria
Para sempre o teu rosto afogado,
entre retratos e vendedores ambulantes,
entre cigarros e gente sem destino,
flutuará rodeado de escamas cintilantes.
Se me pudesse matar,
seria pela curva doce dos teus olhos,
pela tua fronte de bosque adormecido,
pela tua voz onde sempre amanhecia,
pelos teus cabelos onde o rumor da sombra
era um rumor de festa,
pela tua boca onde os peixes se esqueciam
de continuar a viagem nupcial.
Mas a minha morte é este vaguear contigo,
na parte mais débil do meu corpo,
com uma espinha de silêncio
atravessada na garganta.
Não sei se te procuro ou se me esqueço
de ti quando acaso me debruço
nuns olhos subitamente acesos
ao dobrar de uma esquina,
na boca dos anjos embriagados
de tanta solidão bebida pelos bares,
nas mãos levemente adolescentes
pousadas na indolência dos joelhos.
Quem me dirá que não é verdade
o teu rosto afogado, o teu rosto perdido,
de sombra em sombra, nas ruas da cidade?
Ninguém te conheceu,
ninguém viu romper a luz na tua cama,
ninguém sabe, nnguém,
que o teu corpo, continente selvagem,
se desvelava por uma pedra branca
atirada contra o nevoeiro.
Por isso escrevo esta elegia
como quem oferece a luz dos olhos;
por isso canto o teu rosto afogado
como quem canta um funeral de espigas.
In: As Palavras Interditas (1951)
Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.
Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
um corpo aberto como os animais.
In: As Mãos e os Frutos (1948)