Posts Tagged ‘dunas

12
Ago
13

Deixo ao Miguel as coisas da manhã

Deixo ao Miguel as coisas da manhã –

a luz (se não estiver já corrompida)

a caminho do sul,

o chão limpo das dunas desertas,

um verso onde os seixos são

de porcelana,

o ardor quase animal

de uma romã aberta.


In: O Peso da Sombra (1982)

14
Jul
11

Cacela

Está desse lado do verão

onde manhã cedo

passam barcos, cercada pela cal.

 

Das dunas desertas tem a perfeição,

dos pombos o rumor,

da luz a difícil transparência

e o rigor.

 

In: Escrita da Terra (1974)

27
Jul
10

Dunas

É o mar do deserto, ondulação

sem fim das dunas,

onde dormir, onde estender o corpo

sobre outro corpo, o peito vasto,

as pernas finas, longas,

as nádegas rijas, colinas

sucessivas onde o vento

demora os dedos, e as cabras

passam, e o pastor

sonha oásis perto,

e o verde das palmeiras se levanta

até à nossa boca, até à nossa alma

com sede de outras dunas,

onde o corpo do amor

seja por fim um gole de água.

12
Maio
10

O caminho das dunas

Há um barco

há um homem nas areias.

Obscuramente aprende

a morrer onde as águas são mais duras.

Sei que é verão pelo hálito da loucura

o brilho em declínio das giestas

a caminho das dunas.

O homem adormecido

e a noite do poema eram de vidro.

 

In: Escrita da Terra (1974)

29
Set
09

Era setembro

Era setembro
ou outro mês qualquer
propício a pequenas crueldades:
a sombra aperta os seus anéis.
Que queres tu ainda?
O sopro das dunas sobre a boca?
A luz quase despida?
Fazer do corpo todo
um lugar desviado do inverno?
02
Abr
09

À tua sombra

A terra me sabes,

à luz das manhãs

lisas de verão,

ao calor das pedras

achadas nas dunas.

Apetece cantar

nos gomos, nas luas,

nas colinas breves

do teu corpo nu;

cantar ou correr

na água, na seiva

dos ombros, dos braços,

no azul secreto

da concha das pernas.

Ó sabor eterno,

ó mortal sabor

das fontes da terra,

materno, solar

rumor de alegria:

apetece morrer,

morrer ou cantar.

26
Jan
09

Assim despido

Rosto despido, magra fonte

dos dias – assim começa a breve

fala que escuto

 

vinda de longe, assim o nome

desse cristal,

o tão amado e perdido

 

olhar; assim do prado branco

as águas de junho

ou de setembro descem ao mar;

 

assim as dunas onde as aves

pousam leve ou nos lábios

o canto arde;

 

assim a neve.

22
Jan
09

O que não pode morrer

Diz, diz uma vez mais o que não pode

morrer:

a luz, que no sul é inocente

e trepa aos pinheiros;

o trote miúdo das manhãs de junho;

o azul a pique do falcão;

as dunas, com sinais ainda

de outro verão para levar à boca.




"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." Eugénio de Andrade
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“Sobre Eugénio sobra-me em emoção e lágrimas o que escasseia em palavras. Não há claridade que te descreva, meu querido Eugénio. És o meu poeta de ontem e de sempre. Mantinha um desejo secreto de te conhecer um dia, passar uma tarde contigo de manta nas pernas a afagar os gatos que tanto amavas. Em silêncio, sim, pois sempre foi em silêncio que me disseste tudo ao longo destes anos todos em que devorei as tuas palavras. Tu não poupaste o coração e por isso viverás sempre. Não há morte que resista a isso.” Raquel Agra (13/06/2005)

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