É assim, nem sequer nos permitem o silêncio a que nos obrigaria morte tão próxima. O que nos pedem, a nós que não somos Goethe nem para lá caminhamos, é que da nossa dor façamos o poema. Mas para isso não estamos ainda preparados: só se escreve de olhos enxutos, e esta morte, a morte de um amigo que vem da nossa juventude, não se pode arrumar na gaveta enquanto alinhamos algumas sílabas que não sejam de todo indignas de um homem que foi, entre nós, dos raros a saber do seu ofício.
A sua prosa, a sua poesia – e em Carlos de Oliveira nem sempre é fácil distinguir uma da outra – , ao contrário de tanta produção nacional, com o tempo é que foi ganhando apuro e ardor. A sua poesia é outra depois de Cantata, os seus romances vão sendo outros à medida que os vai reescrevendo. Esta obsessão pelo rigor, esse minucioso trabalho de abelha, esta arte cujo empenhamento mais árduo é ser aprendizagem permanente, é o que mais gostamos nele. Foi assim que, graças ao seu «trabalho de plaina», certa declamação espúria e algumas apóstrofes cívicas foram ficando pelo caminho, e se erguem à altura dos nossos olhos as cintilações e os frémitos da sua poesia última. Para nossa alegria, se esta palavra tem neste momento qualquer sentido.
In: Os Afluentes do Silêncio (1968)