Com a luz, com a cal
do verão entornada pela casa,
com essa música
tão amada e bárbara,
com a púrpura correndo
de colina em colina,
fazer uma coroa –
e de lágrimas cheia a taça
sagrar-te príncipe da vida.
In: O Outro Nome da Terra (1988)
Com a luz, com a cal
do verão entornada pela casa,
com essa música
tão amada e bárbara,
com a púrpura correndo
de colina em colina,
fazer uma coroa –
e de lágrimas cheia a taça
sagrar-te príncipe da vida.
In: O Outro Nome da Terra (1988)
Não é o mar, não é o vento, é o sol
que me dói da cintura aos sapatos.
Sol de fins de Julho,
ou de Agosto a prumo: finas
agulhas de aço.
É o sol destes dias, aceso
na folhagem.
Bebendo a minha água.
Colado à minha pele.
É doutro território, doutro areal.
Tem outros ritmos, outros modos,
outros vagares para roer
a cal, morder-me os olhos.
Até quando cega canta ao arder.
In: Os Sulcos da Sede (2001)
Está desse lado do verão
onde manhã cedo
passam barcos, cercada pela cal.
Das dunas desertas tem a perfeição,
dos pombos o rumor,
da luz a difícil transparência
e o rigor.
In: Escrita da Terra (1974)
Um dia chega
de extrema doçura:
tudo arde
Arde a luz
nos vidros da ternura.
As aves
no branco
labirinto da cal.
As palavras ardem,
a púrpura das naves.
O vento,
onde tenho casa
à beira do outono.
O limoeiro, as colinas.
Tudo arde
na extrema e lenta
doçura da tarde.
In: Obscuro Domínio (1972)
Onde os olhos tocam a cal e a escura
pedra de basalto, é a perfeição:
a tão nobre e concreta arte do espaço
— casa, praça, palácio, rua,
convento, fortaleza, igreja,
com adros, portais, degraus,
rendas e rendas nas fachadas,
com janelas para o mar e varandas
para as aves —, arquitectura lavada,
onde a veemência da luz
concilia a terra imóvel
com a brusca paixão dos mastros.
Quando não é verde, a luz
destas ilhas é rosada.
20-7-92
O Sal da Língua embarca rumo às ilhas verdes e regressará no fim do mês.
Entretanto, boas leituras e boas férias para todos.
Respiro a terra nas palavras,
no dorso das palavras
respiro
a pedra fresca da cal;
respiro um veio de água
que se perde
entre as espáduas
ou as nádegas;
respiro um sol recente
e raso
nas palavras,
com lentidão de animal.
As cigarras,
a brusca rouquidão da cal,
a surda rebentação dos cardos,
tudo o que faz o verão subir a prumo
chegou ao fim.
O frio, a sua teia branca,
lembra-te, não tardará.