Posts Tagged ‘sede

30
Mar
11

À boca do cântaro

Caminha sílaba a sílaba

como a fonte

que só pára à boca do cântaro.

Aí consente partilhar a água.

À audácia dos jovens, à timidez

dos que já o não são, mata a sede.

Aos que tropeçam na falta

de amor, aos que mordem as lágrimas

em segredo, dá a beber.

Leva aos lábios febris

a frescura da pedra. Não deixes

o medo multiplicar as garras.

Sílaba a sílaba

caminha até ao cântaro

vazio. – Tão cheio agora!

In: Os sulcos da Sede (2001)

16
Mar
11

O azul, o azul rouco, o azul

O azul, o azul rouco, o azul

sem cor, luz gémea da sede.

Acerca deste rigor

tenho uma palavra a dizer,

uma sílaba a salvar

desta aridez, asa

ferida, o olhar arrastado

pela pedra

calcinada, húmido

ainda de ter pousado

à sombra de um nome,

o teu,

amor do mundo, amor de nada.

In: Contra a Obscuridade (1988)

06
Jan
10

Fazer do olhar o gume certo

Fazer do olhar o gume certo,
atravessar a água corrompida,
no avesso da sombra soletrar
o rosto ardido da sede antiga.
25
Jun
09

A manhã parada

A manhã parada.
O azul.
A fundura da pupila.

Não é ainda a sede, 
a matilha,
a febre.
 
O tronco nu — 
a luz vacila.
15
Jun
09

O silêncio

Dai-me outro verão nem que seja
de rastos, um verão
onde sinta o rastejar
do silêncio,
a secura do silêncio,
a lâmina acerada do silêncio.
Dai-me outro verão nem que fique
à mercê da sede.
Para mais uma canção.
08
Mar
09

Parágrafos da sede

Animal do deserto, o sexo. Expulso da alegria. Que procura ainda, no território da sede? Outra boca, mordendo a poeira? A língua do sol, entre a cegueira e o cio? A semente do linho? Animal do deserto, marrando contra o muro.

18
Nov
08

Pela manhã é que eu iria

Pela manhã é que eu iria

pela última vez

Iria sem saber onde a estrada leva.

   

E a sede.




"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." Eugénio de Andrade
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“Sobre Eugénio sobra-me em emoção e lágrimas o que escasseia em palavras. Não há claridade que te descreva, meu querido Eugénio. És o meu poeta de ontem e de sempre. Mantinha um desejo secreto de te conhecer um dia, passar uma tarde contigo de manta nas pernas a afagar os gatos que tanto amavas. Em silêncio, sim, pois sempre foi em silêncio que me disseste tudo ao longo destes anos todos em que devorei as tuas palavras. Tu não poupaste o coração e por isso viverás sempre. Não há morte que resista a isso.” Raquel Agra (13/06/2005)

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