Claro que os desejas, esses corpos
onde o tempo não enterrou ainda
os cornos fundo — não é o desejo
o amigo mais íntimo do sol?
Que os desejas, como se cada um
deles fosse o último, último corpo
que o teu corpo tivesse para amar.
Claro que os desejas, esses corpos
onde o tempo não enterrou ainda
os cornos fundo — não é o desejo
o amigo mais íntimo do sol?
Que os desejas, como se cada um
deles fosse o último, último corpo
que o teu corpo tivesse para amar.
E no teu rosto aberto sobre o mar
cada palavra era apenas o rumor
de um bando de gaivotas a passar.
Uma canção de cavalos
me pede o Miguel que escreva:
cavalos de sol sedentos,
mansos cavalos de seda.
Cavalos bebendo a sombra
verde e rosa das palmeiras
ou bailando nas areias
com as luzes derradeiras.
Cavalos de romanceiro
disparados como setas
em terras da minha terra
ou só na minha cabeça.
Cavalos de sol sedentos,
mansos cavalos de seda:
uma canção de cavalos
me pede o Miguel que escreva.
Com o sol a trepar pelas árvores
não tardará
que a manhã corra mais limpa
e se possa beber.
Agora anoitece tão cedo – tenho
medo de te perder no escuro.
Lembro-me dos cisnes selvagens
que do lago se erguiam soberanos
iluminando as águas e o céu
do Outono ao fim da tarde.
Também eles se perdem
agora na inclinação da sombra.
Que país será o meu? Este,
onde vivo e sou estrangeiro?
O da luz atravessada
pelos cisnes? Sem ti, como saber?
Concentro os olhos no mais precário
lugar do teu corpo: morre-se
em Agosto com as aves:
de solidão.
Neste instante sou imortal:
tenho os teus braços em redor
do corpo todo:
as areias escaldam: é meio-dia.
Do teu peito avista-se o mar
caindo a prumo:
morre-se em Agosto na tua boca:
com as aves.
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham;
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede da alegria –
por mais amarga.
Nada podeis contra o amor.
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.
Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
– e é tão pouco.
Ao Inverno chega-se pela ausência das gaivotas
nos lábios ou nas dunas:
não há outra estrada.
Isto sei,
ou como o sangue é branco sobre a erva:
mas não sei mais nada.
Vê como de súbito o céu se fecha
sobre dunas e barcos,
e cada um de nós se volta a fixa
os olhos um no outro,
e como deles devagar escorre
a última luz sobre as areias.
Que diremos ainda? Serão palavras,
isto que aflora aos lábios?
Palavras, este rumor tão leve
que ouvimos o dia desprender-se?
Palavras, ou luz ainda?
Palavras, não. Quem as sabia?
Foi apenas lembrança de outra luz.
Nem luz seria, apenas outro olhar.