Archive for the 'Primeiros Poemas (1977)' Category

20
Out
11

Província

Meu casto

e puro amor provinciano,

não percas tempo

acendendo velas

no teu oratório:

nenhum santo

nem eu

estamos na disposição

de fazer o milagre

do teu casamento.


 

In: Primeiros Poemas (1977)

23
Ago
10

Paisagem

O Sal da Língua, ainda comovido pela beleza das ilhas verdes, regressa com a simplicidade da juventude de Eugénio. O poema escolhido é Paisagem, do livro “Primeiros poemas”.

Entre pinheiros três casas.

Uma azenha parada.

Uma torre erguida

de fraga em fraga

contra o céu de cal.

E um silêncio talhado

para o voo dum moscardo

alastra de casa em casa,

sobe à torre abandonada

e sobre a azenha parada

tomba desamparado.

23
Ago
09

Acorde

Onde passou o vento
são altas as ervas,
e os olhos água
só de olhar para elas.
29
Mar
09

A uma fonte

Fonte pura, fonte fria…

(Onde vais, minha canção?)

Fonte pura… assim queria

que fosse meu coração:

fluir na noite e no dia

sem se desprender do chão.

13
Out
08

Adagio

O Outono é isto –

apodrecer de um fruto

entre folhas esquecido.

Água escorrendo,

quem sabe donde,

ocasional e fria

e sem sentido.

01
Set
08

Canção infantil

Era um amieiro.

Depois uma azenha.

E junto

um ribeiro.

 

Tudo tão parado.

Que devia fazer?

Meti tudo no bolso

para não os perder.

 

20
Mar
08

In Memoriam (F.G.L.)

Noite aberta.

A lua tropeça nos juncos.

Que procura a lua?

A raiz do sangue?

Um rio que durma?

A voz delirando

no olival, exangue?

Sonâmbula,

que procura a lua?

O rosto da cal

que no rio flutua?

05
Mar
08

Canção

Tinha um cravo no meu balcão;

veio um rapaz e pediu-mo

– mãe, dou-lho ou não?

 

Sentada, bordava um lenço de mão;

veio um rapaz e pediu-mo

– mãe, dou-lho ou não?

 

Dei um cravo e dei um lenço,

só não dei o coração;

mas se o rapaz mo pedir

– mãe, dou-lho ou não?

03
Jan
08

Quase nada

O amor

é uma ave a tremer

nas mãos duma criança.

Serve-se de palavras

por ignorar

que as manhãs mais limpas

não têm voz.




"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." Eugénio de Andrade
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“Sobre Eugénio sobra-me em emoção e lágrimas o que escasseia em palavras. Não há claridade que te descreva, meu querido Eugénio. És o meu poeta de ontem e de sempre. Mantinha um desejo secreto de te conhecer um dia, passar uma tarde contigo de manta nas pernas a afagar os gatos que tanto amavas. Em silêncio, sim, pois sempre foi em silêncio que me disseste tudo ao longo destes anos todos em que devorei as tuas palavras. Tu não poupaste o coração e por isso viverás sempre. Não há morte que resista a isso.” Raquel Agra (13/06/2005)

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