É um sopro de animal ferido
entrar dentro de ti – o tempo só
da luz atravessar
a sombra lancinante da cintura.
É um sopro de animal ferido
entrar dentro de ti – o tempo só
da luz atravessar
a sombra lancinante da cintura.
Não é galo nem galão,
nem padre nem sacristão:
é um animal esquisito,
entre peru e pavão,
tem barbas ruivas de milho,
tem olhos de crocodilo,
rabo de rato ou de cão,
ão ão ão!
In: Aquela Nuvem e Outras (1986)
Vê como a nudez cresce.
Seria fácil pousar agora
no lume
ou no gume do silêncio
se houvesse vento:
mas quem se lembra do branco
aroma da alegria?
Reconheço no vagaroso
andar da chuva o corpo do amor:
vem ferido: nas suas mãos
como dormir?
Como enxotar a morte: esse animal
sonâmbulo dos pátios da memória?
Bago a bago podes colher
a noite: está madura:
podes levar à boca
a preguiçosa espuma
das palavras.
E crescer para a água.
In: Véspera da Água (1973)
Respiro a terra nas palavras,
no dorso das palavras
respiro
a pedra fresca da cal;
respiro um veio de água
que se perde
entre as espáduas
ou as nádegas;
respiro um sol recente
e raso
nas palavras,
com lentidão de animal.
Animal do deserto, o sexo. Expulso da alegria. Que procura ainda, no território da sede? Outra boca, mordendo a poeira? A língua do sol, entre a cegueira e o cio? A semente do linho? Animal do deserto, marrando contra o muro.