Procuro a ternura súbita, os olhos ou o sol por nascer do tamanho do mundo, o sangue que nenhuma espada viu, o ar onde a respiração é doce, um pássaro no bosque com a forma de um grito de alegria. Oh, a carícia da terra, a juventude suspensa, a fugidia voz da água entre o azul do prado e de um corpo estendido. Procuro-te: fruto ou nuvem ou música. Chamo por ti, e o teu nome ilumina as coisas mais simples: o pão e a água, a cama e a mesa, os pequenos e dóceis animais, onde também quero que chegue o meu canto e a manhã de maio. Um pássaro e um navio são a mesma coisa quando te procuro de rosto cravado na luz. Eu sei que há diferenças, mas não quando se ama, não quando apertamos contra o peito uma flor ávida de orvalho. Ter só dedos e dentes é muito triste: dedos para amortalhar crianças, dentes para roer a solidão, enquanto o verão pinta de azul o céu e o mar é devassado pelas estrelas. Porém eu procuro-te. Antes que a morte se aproxime, procuro-te. Nas ruas, nos barcos, na cama, com amor, com ódio, ao sol, à chuva, de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te. O "Sal da Língua" deseja a todos um ano de 2010 pleno de encontros e de descobertas!
Arquivo de Dezembro, 2009
30
Dez
09
Procuro-te
Neste "O lugar dos amigos" é dado espaço aos que melhor nos falam da vida de Eugénio - os seus colegas e amigos. "Carta a Eugénio de Andrade, por Agustina Bessa-Luís (25.06.2005)" Querido Eugénio O melhor não são os sentimentos nobres das pessoas, mas o ácido prazer de amar seja o que for. Uma longa viagem nos une e nos separa. Nunca trocámos cartas porque essa débil força da confidência esteve sempre para nós fora de moda. Nunca deixámos que as palavras nos dessem lições. As palavras são como caminhos, umas vão dar a qualquer sítio que não nos importa conhecer; outras não servem para nada, e são as melhores. A poesia não é feita de palavras, mas da cólera de não sermos deuses. A Grécia, como a conhecemos, isso é que é poesia. O vento no fim da tarde em Delfos, o olival até ao mar, duma cor que já não me lembro. Nós não éramos profanos, mas argonautas em terra. Tenho ainda o medalhão de ouro, com Atena esculpida e a coruja ao lado. Tanta formosura para tão poucos iniciados! Estou aqui a pensar que vou construir uma casa numa árvore do jardim, para navegar ao largo como o capitão Slocum, num iole de 12,70 toneladas de peso bruto. Daqui ao cabo Horn é um pulo. E sempre nos acenam os que ficam em terra, os lenços agitados pelo bom vento da costa. Somos navegadores solitários tentando não embirrar com o presidente do Transval que acredita que o mundo é plano e que não pode haver a volta ao mundo. Um bom sorriso, e está bem assim.
28
Dez
09
Julguei que não voltaria a falar
Julguei que não voltaria a falar desse verão onde o sol se escondia entre a nudez dos rapazes e a água feliz. Imagens que já não doem – risos, corridas, a brancura dos dentes, ou a matutina estrela ardendo no centro da nossa carne – chegaram com a neve, tão rara nestas paragens, e como pousa a poeira, sentaram-se ao lume vagarosas. Aí estiveram, escutando o que traz o vento. Até anoitecer.
26
Dez
09
Lágrima
Dos olhos me cais, redonda formosura. Quase fruto ou lua, cais desamparada. Regressas à água mais pura do dia, obscuro alimento de altas açucenas. Breve arquitectura da melancolia. Lágrima, apenas.
24
Dez
09
Ao fim da tarde
Ninguém esperava ver o mar naquele dia mas era o mar que estava ali à porta naqueles olhos. Um feliz Natal para todos!
16
Dez
09
2 anos de “Sal da Língua”
O “Sal da Língua” completou dois anos. Eu agradeço as visitas, as partilhas e as palavras de incentivo. Ele, o poeta, sorri.
09
Dez
09
A tarde sacudiu as suas crinas
A tarde sacudiu as suas crinas, as crianças demoram-se nos espelhos, um amigo começa no verão, no íntimo despir das suas luzes.
02
Dez
09
Passaste os dias a pôr sílabas
Passaste os dias a pôr sílabas sobre sílabas, dorme, estás cansado. Não são do rio essas luzes, dorme, já não há rios. Nos pátios do outono a noite já soltou os seus cães, dorme.