A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo
cintila,
a boca espera
(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)
esperar o ardor
do vento
para ser ave,
e cantar.
In: Obscuro Domínio (1972)
A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo
cintila,
a boca espera
(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)
esperar o ardor
do vento
para ser ave,
e cantar.
In: Obscuro Domínio (1972)
Neste “O lugar dos amigos” é dado espaço aos que melhor nos falam da vida de Eugénio – os seus colegas e amigos.
Eugénio e os pintores, por Vasco Graça Moura, 25.06.2005
sei de pintores que se inquietavam por
pressentirem uma relação entre a cor e a palavra.
era nos anos sessenta em s. lázaro, quando
a luz entardecia, muita gente se afadigava no
lento regresso a casa, as aves recolhiam e
eles sabiam que havia alguém para falar
das águas e das luas e da sombra
das cores, dos gestos entre as hastes e os farrapos
do silêncio. seria à mesa do café, numa
sala cheia de livros, num vão de escada a caminho
do atelier que lhe propunham essa
revisita das fontes, das perturbadas melancolias
que ele havia de dizer por palavras no papel.
mostravam-lhe os trabalhos, esperando as
justas perífrases, os ritmos em que haviam de rever
a sua fome do real nas artes da pintura.
era o cruzar das solidões comovidas: tudo
seria reescrito, portuense, partilhado
com uma densa, irisada exactidão, lá onde
umas pétalas da música começam
a partir de uma cor ou de um murmúrio,
de um rosto ou de uma nuvem,
de uma explosão do sol, de uma agonia.
era nos anos sessenta, era em s. lázaro.
(In “Poesia 1997/2000”, Quetzal Editores)
//