Arquivo de Julho, 2012

25
Jul
12

Plenamente

A boca,

 

onde o fogo

de um verão

muito antigo

 

cintila,

 

a boca espera

 

(que pode uma boca

esperar

senão outra boca?)

 

esperar o ardor

do vento

para ser ave,

 

e cantar.


In: Obscuro Domínio (1972)

06
Jul
12

O lugar dos amigos – Vasco Graça Moura

Neste “O lugar dos amigos” é dado espaço aos que melhor nos falam da vida de Eugénio – os seus colegas e amigos.

 

Eugénio e os pintores, por Vasco Graça Moura, 25.06.2005

 

sei de pintores que se inquietavam por

pressentirem uma relação entre a cor e a palavra.

era nos anos sessenta em s. lázaro, quando

a luz entardecia, muita gente se afadigava no

 

lento regresso a casa, as aves recolhiam e

eles sabiam que havia alguém para falar

das águas e das luas e da sombra

das cores, dos gestos entre as hastes e os farrapos

 

do silêncio. seria à mesa do café, numa

sala cheia de livros, num vão de escada a caminho

do atelier que lhe propunham essa

revisita das fontes, das perturbadas melancolias

 

que ele havia de dizer por palavras no papel.

mostravam-lhe os trabalhos, esperando as

justas perífrases, os ritmos em que haviam de rever

a sua fome do real nas artes da pintura.

 

era o cruzar das solidões comovidas: tudo

seria reescrito, portuense, partilhado

com uma densa, irisada exactidão, lá onde

umas pétalas da música começam

 

a partir de uma cor ou de um murmúrio,

de um rosto ou de uma nuvem,

de uma explosão do sol, de uma agonia.

era nos anos sessenta, era em s. lázaro.

 

(In “Poesia 1997/2000”, Quetzal Editores)

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"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." Eugénio de Andrade
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“Sobre Eugénio sobra-me em emoção e lágrimas o que escasseia em palavras. Não há claridade que te descreva, meu querido Eugénio. És o meu poeta de ontem e de sempre. Mantinha um desejo secreto de te conhecer um dia, passar uma tarde contigo de manta nas pernas a afagar os gatos que tanto amavas. Em silêncio, sim, pois sempre foi em silêncio que me disseste tudo ao longo destes anos todos em que devorei as tuas palavras. Tu não poupaste o coração e por isso viverás sempre. Não há morte que resista a isso.” Raquel Agra (13/06/2005)

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