Nenhuma palavra acorre hoje para me ajudar a carregar com o dia. Contemplo longamente (ver é agora a minha única paixão) a ave que desenhaste no meu caderno, ferida em pleno voo – quem terá forças para impedi-la de morrer? Outras gaivotas passam quase rente à janela, vai chover. Troco este céu impassível pelas dunas de Fão, agora só na memória. Também aí as gaivotas anunciavam que a luz mudara de direcção, e algumas aproximavam-se tanto do meu rosto que eu chegava a recear que me bicassem os olhos. Elas vêm e vão, o céu está agora mais claro, já não as vejo. Talvez não caia mais que um dedalzinho de água, ou nem isso sequer.
28.2.86