Neste “O lugar dos amigos” é dado espaço aos que melhor nos falam da vida de Eugénio – os seus colegas e amigos.
Uma tulipa amarela por José da Cruz Santos
à dedicação de Ana Maria Moura
Quantas das edições ou das iniciativas que lhe dediquei não nasceram nesse lugar? Lembro-me que um dia lhe disse, Vou organizar uma semana comemorativa dos seus trinta anos de trabalho. E, praticamente à sua revelia, com a cumplicidade fraterna do Armando Alves, que me acompanhava nos meus sonhos de editor desde os primeiros dias da Inova, lá se começou a construir essa homenagem, a primeira que esta cidade e este país lhe dedicaram, nas antigas instalações de uma instituição desta terra. Do seu distanciamento inicial, avesso como o Eugénio era a sentir-se na ribalta, passou depois a uma participação entusiasmada, e disso dá conta a dedicatória que escreveu no exemplar que depois me ofereceu da primeira edição de “As Mãos e os Frutos”.
Num dos próximos domingos, Eugénio, regressarei a esse velho Café para lhe dizer que consigo não aprendi somente os caminhos que levam aos mais altos lugares da poesia, a San Juan de la Cruz e Camões, a Bashô e Camilo Pessanha, a Rilke e Cesário Verde, mas também o rigor da palavra despojada de tudo o que lhe retirasse a leveza que Você encontrava na música de Mozart, a austeridade com que recusava as mundanidades com que tantos engorduram a vida, a suprema elegância com que vivia os seus dias desabitados de luxos e de estridências. E hei-de procurar no dicionário as palavras exactas para falar dessa luz de uma alegria contida que lhe aparecia nos olhos quando lhe levava uma pequenina lembrança, talvez um livro, talvez uma caixa de chocolates, para o Miguel.
Num dos próximos domingos, Eugénio, voltarei a esse Café, onde nunca mais estive depois que Você saiu da Rua do Duque de Palmela, e deixarei em cima da mesa uma túlipa amarela, e com ela a tristeza sem remédio de não mais poder ouvir, como eu lhe dizia, a sua voz de sereia a ler-me o poema que acabara de escrever, muitas vezes depois de uma prolongada vigília em luta com um verso, com uma sílaba…
Num dos próximos domingos, Eugénio, procurá-lo-ei mais uma vez, uma última vez, nesse velho Café Duque, para lhe pedir um poema para Vasco Gonçalves ou uma dedicatória para Álvaro Cunhal, e nos olhos hei-de ter, não poderei deixar de ter, as lágrimas que nascem da angústia de saber que não mais estará connosco o poeta que um dia escreveu este poema que poderia ser para mim, para todos nós, nestes dias frios e desamparados,
Junho chegara ao fim, a magoada
luz dos jacarandás, que me pousava
nos ombros, era agora o que tinha
para repartir contigo,
e o coração desmantelado
que só aos gatos servirá de abrigo.
José da Cruz Santos
Porto, Junho de 2005