Arquivo de Outubro, 2011

26
Out
11

Com o tempo aproximar-se-ão os rios

Com o tempo aproximar-se-ão os rios

e os montes, com o tempo

acabará por te vir comer à mão

e fazer ninho na tua cama

o silêncio


 

In: O Peso da Sombra (1982)

20
Out
11

Província

Meu casto

e puro amor provinciano,

não percas tempo

acendendo velas

no teu oratório:

nenhum santo

nem eu

estamos na disposição

de fazer o milagre

do teu casamento.


 

In: Primeiros Poemas (1977)

11
Out
11

Outros ritmos, outros modos

Não é o mar, não é o vento, é o sol

que me dói da cintura aos sapatos.

Sol de fins de Julho,

ou de Agosto a prumo: finas

agulhas de aço.

É o sol destes dias, aceso

na folhagem.

Bebendo a minha água.

Colado à minha pele.

É doutro território, doutro areal.

Tem outros ritmos, outros modos,

outros vagares para roer

a cal, morder-me os olhos.

Até quando cega canta ao arder.

 

In: Os Sulcos da Sede (2001)

10
Out
11

O lugar dos amigos – Pedro Eiras

Neste “O lugar dos amigos” é dado espaço aos que melhor nos falam da vida de Eugénio – os seus colegas e amigos.

Eugénio, de cor, por Pedro Eiras

26.06.2005

Não sei que acaso me governa, me dirige os dedos na procura do “cd”, coloca agora na aparelhagem Schubert, a “Winterreise“.

A que razão obedeço, para ouvir nestes dias de calor uma viagem de inverno? Mas já o frio entra nestas paredes e me amarrota.

Não assim o poeta. Nele o verão é inteiro como uma nudez que pudesse despir-se toda. Quer dizer: despir a própria pele.

Nudez de alguns frutos de Lawrence, de alguns quartos de Kavafis. Angelical, mas sem a ofuscação trágica de Rilke.

E contudo, descubro agora, foi por causa desse verão perdido que fui ouvir a “Winterreise“.

O poeta sabia o sol sem sombra. Eu permaneço entre o medo da sede. É inverno em Junho.

A poesia é dança para lá da coragem, eu escrevo em prosa.

Eugénio, de cor, de coração, incertamente na minha memória: “pensei: devíamos morrer assim. Assim: explodir no ar.” Talvez as palavras estejam erradas; o coração deve estar certo.

Há muito tempo, descobri em Eugénio esta verdade que nunca me abandonou. Explodir no ar: despir a pele e ser pássaro de vento.

Junho de 2005

05
Out
11

Em cada fruto a morte amadurece

Em cada fruto a morte amadurece,

deixando inteira, por legado,

uma semente virgem que estremece

logo que o vento a tenha desnudado.

 

In: As Mãos e os Frutos (1948) 




"Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria." Eugénio de Andrade
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“Sobre Eugénio sobra-me em emoção e lágrimas o que escasseia em palavras. Não há claridade que te descreva, meu querido Eugénio. És o meu poeta de ontem e de sempre. Mantinha um desejo secreto de te conhecer um dia, passar uma tarde contigo de manta nas pernas a afagar os gatos que tanto amavas. Em silêncio, sim, pois sempre foi em silêncio que me disseste tudo ao longo destes anos todos em que devorei as tuas palavras. Tu não poupaste o coração e por isso viverás sempre. Não há morte que resista a isso.” Raquel Agra (13/06/2005)

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