Com o tempo aproximar-se-ão os rios
e os montes, com o tempo
acabará por te vir comer à mão
e fazer ninho na tua cama
o silêncio
In: O Peso da Sombra (1982)
Com o tempo aproximar-se-ão os rios
e os montes, com o tempo
acabará por te vir comer à mão
e fazer ninho na tua cama
o silêncio
In: O Peso da Sombra (1982)
Meu casto
e puro amor provinciano,
não percas tempo
acendendo velas
no teu oratório:
nenhum santo
nem eu
estamos na disposição
de fazer o milagre
do teu casamento.
In: Primeiros Poemas (1977)
Não é o mar, não é o vento, é o sol
que me dói da cintura aos sapatos.
Sol de fins de Julho,
ou de Agosto a prumo: finas
agulhas de aço.
É o sol destes dias, aceso
na folhagem.
Bebendo a minha água.
Colado à minha pele.
É doutro território, doutro areal.
Tem outros ritmos, outros modos,
outros vagares para roer
a cal, morder-me os olhos.
Até quando cega canta ao arder.
In: Os Sulcos da Sede (2001)
Neste “O lugar dos amigos” é dado espaço aos que melhor nos falam da vida de Eugénio – os seus colegas e amigos.
Eugénio, de cor, por Pedro Eiras
26.06.2005
Não sei que acaso me governa, me dirige os dedos na procura do “cd”, coloca agora na aparelhagem Schubert, a “Winterreise“.
A que razão obedeço, para ouvir nestes dias de calor uma viagem de inverno? Mas já o frio entra nestas paredes e me amarrota.
Não assim o poeta. Nele o verão é inteiro como uma nudez que pudesse despir-se toda. Quer dizer: despir a própria pele.
Nudez de alguns frutos de Lawrence, de alguns quartos de Kavafis. Angelical, mas sem a ofuscação trágica de Rilke.
E contudo, descubro agora, foi por causa desse verão perdido que fui ouvir a “Winterreise“.
O poeta sabia o sol sem sombra. Eu permaneço entre o medo da sede. É inverno em Junho.
A poesia é dança para lá da coragem, eu escrevo em prosa.
Eugénio, de cor, de coração, incertamente na minha memória: “pensei: devíamos morrer assim. Assim: explodir no ar.” Talvez as palavras estejam erradas; o coração deve estar certo.
Há muito tempo, descobri em Eugénio esta verdade que nunca me abandonou. Explodir no ar: despir a pele e ser pássaro de vento.
Junho de 2005
Em cada fruto a morte amadurece,
deixando inteira, por legado,
uma semente virgem que estremece
logo que o vento a tenha desnudado.
In: As Mãos e os Frutos (1948)