Ainda esta poeira sobre o coração
queria que chovesse sobre os ulmeiros
sair limpo desses olhos
da luz que se demora a polir os seixos
A corrosiva música das vogais que te devora
o silêncio do muro
às vezes quase azul
o verão afinal onde o ar é mais duro
Acordarás com as primeiras chuvas
a floração do trevo doía
o olhar sempre negado
aos cães da mote sempre prometido
Estende-te aqui
perto do oiro branco das cigarras
já tenho ouvido chegar o verão
a sua frágil quilha em águas quase mortas
A clara desordem dos cabelos
(dos cavalos não é ainda tempo)
a fundula da pupila
os lábios por dentro finalmente acesos
Tudo o mais te direi sobre o teu peito
à superfície uma poeira fresca
como quem escuta sobre a erva
as nascentes do fogo
Sem mácula não há luz sobre os joelhos
é um corpo de amor este que temos
até ao chão
da água mais exígua
Amar a boca fatigada do corpo
ou outra ainda mais estéril
entrar
onde o silêncio desce às fontes
Morrer e não morrer sobre os teus rins
uma árvore de pássaros ardia
era verão escuta os seus cavalos
à roda da cintura
O cálido esperma das palavras
no interior do cabelo derramado
um sol de palha fresca a boca
de que rio regressa?
Dessa cal de homem rompe a lua
de sol extenuada
ergue-se de gume em gume e cai
no espelho a prumo das espadas
Falar dizer de outra maneira
as labiais bebidas corpo a corpo
deambular pelas pernas pela boca
abandonar-me entre as pedras à poeira
Onde fluvial a meio da noite
cresce a pedra
branca dos álamos
as crianças dormem com os pássaros
Um corpo ao crepúsculo lido pelo vento
chama-se música
esta queda no escuro
rente ao murmúrio
Dizer como um rosto se extingue sem cessar
que farei deste nome que me sobra?
Eu tinha duas mãos que te queriam
grandes olhos de pássaro fulminado
Como dizer que vai morrendo
sobre pedras sem nome
la prima voce che passò volando
distante já da nossa idade?
Ninguém sabia de onde vinha
atravessara a noite do olhar
e o medo e o êxtase das espadas
o amor que é sempre argila branca
(continua …)
In: Limiar dos Pássaros (1976)